Boaventura de Souza Santos
Carta Maior

Traducido por Antoni Jesús Aguiló y revisado por Àlex Tarradellas

El proceso de subdesarrollo del país [1] está en marcha. Lejos de ser transitorias, las medidas anunciadas son estructurales y sus efectos se dejarán sentir durante décadas. Las crisis crean oportunidades para redistribuir la riqueza. Dependiendo de las fuerzas políticas que las controlen, la redistribución irá en uno u otro sentido. Supongamos que la reducción del 15% de la renta aplicada a los funcionarios públicos mediante la eliminación de las pagas de Navidad y vacaciones se aplicara a las grandes fortunas, entre otros, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo y las familias Mello. Se recaudaría mucho más dinero y el bienestar de los portugueses se vería mucho menos afectado. En principio, la invocación de una emergencia nacional apunta a sacrificios extraordinarios que deben imponerse a los que están en mejores condiciones de soportarlos.

Por esta lógica se convoca a los jóvenes a la guerra y no a las personas mayores. ¿No están las grandes fortunas en mejores condiciones de responder a la emergencia nacional?

Ésta es una de las perplejidades que lleva a los indignados a manifestarse en las calles. Pero hay mucho más. Muchos ciudadanos se preguntan: ¿las medidas de austeridad darán resultado y permitirán ver la luz al final del túnel dentro de dos años? Sospechan que no porque, además de ir conociendo la tragedia griega, la ciudadanía va sabiendo cada vez más que las recetas del Fondo Monetario Internacional (FMI), ahora adoptadas por la Unión Europea, no han dado resultados en ningún país en las que se han aplicado —de México a Tanzania, de Indonesia a Argentina, de Brasil a Ecuador— y siempre han acabado en desobediencia y desastre social y económico. Cuanto más pronto aparece la desobediencia, menor es el desastre.

En todos estos países siempre se ha utilizado el argumento de la desviación de las cuentas superior a lo previsto para justificar recortes más drásticos. ¿Cómo es posible que las fuerzas políticas no sepan esto y no se pregunten por qué el FMI, a pesar de haber sido creado para regular las cuentas de los países subdesarrollados, ha sido expulsado de casi todos ellos y sus créditos se limiten hoy a Europa? ¿Por qué esta ceguera del FMI y por qué la Unión Europea la sigue ciegamente? El FMI es un club de acreedores dominado por un puñado de instituciones financieras, al frente de las cuales está Goldman Sachs, que pretenden mantener endeudados a los países para poder usurpar sus riquezas en las mejores condiciones, por lo común bajo la forma de extorsionadores cobros de intereses y la privatización de empresas públicas vendidas bajo presión a precios de saldo, empresas que acaban cayendo en manos de las multinacionales que actúan a la sombra del FMI. De este modo, la privatización del agua puede caer en manos de una subcontrata de Bechtel (tal y como sucedió en Cochabamba después de la intervención del FMI en Bolivia) y destinos similares tendrán la privatización de la aerolínea TAP, del servicio de correos o de la televisión pública portuguesa (RTP).

El back office [2] del FMI son los representantes de las multinacionales que, como buitres, esperan que las presas caigan en sus garras. Como también hay que extraer lecciones del acontecimiento más lóbrego, los europeos del sur sospechan hoy, por pura experiencia, la magnitud del pillaje sufrido por los países del llamado Tercer Mundo bajo la cruel fachada de la ayuda al desarrollo.

Sin embargo, la mayor perplejidad de los ciudadanos indignados se encuentra en la siguiente pregunta: ¿qué democracia es ésta que transforma un acto de rendición en una dramática declaración de coraje en nombre del bien común? Es una democracia postinstitucional, porque quien la las instituciones las subvierte (instituciones creadas para obedecer a la ciudadanía pasan a obedecer a los banqueros y los mercados), como p los ciudadanos van reconociendo, a medida que pasan de la resignación y la conmoción a la indignación y la rebelión, que esta forma de democracia partidocrática está agotada y debe reemplazarse por otra más deliberativa y participativa, con partidos políticos, pero postpartidaria, que blinde al Estado contra los mercados y a los ciudadanos contra el autoritarismo estatal y el no estatal. Está abierto un nuevo proceso constituyente. La reivindicación de una nueva Asamblea Constituyente, con una fuerte participación popular, no tardará.

Notas

[1] Se refiere a Portugal (N. T.) [2] El back office son los departamentos de una empresa (informática, contabilidad, recursos humanos, etc.) donde no se llevan a cabo actividades comerciales, sino tareas de gestión de la propia empresa y con los cuales el cliente no tiene contacto directo (N.T.)

Artículo original del 17 de octubre de 2011.

Fuente: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5256

 

Boaventura de Sousa Santos es sociólogo y profesor catedrático de la Facultad de Economía de la Universidad de Coimbra (Portugal).

 

 

O desenvolvimento do subdesenvolvimento Que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum?

Boaventura Sousa Santos

8:51 Quinta feira, 20 de Out de 2011

 

 

 

Está em curso o processo de subdesenvolvimento do País. As medidas que o anunciam, longe de serem transitórias, são estruturantes e os seus efeitos vão sentir-se por décadas. As crises criam oportunidades para redistribuir riqueza. Consoante as forças políticas que as controlam, a redistribuição irá num sentido ou noutro. Imaginemos que a redução de 15% do rendimento aplicada aos funcionários públicos, por via do corte dos subsídios de Natal e de férias, era aplicada às grandes fortunas, a Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, famílias Mello, etc. Recolher-se-ia muito mais dinheiro e afetar-se-ia imensamente menos o bem-estar dos portugueses. À partida, a invocação de uma emergência nacional aponta para sacrifícios extraordinários que devem ser impostos aos que estão em melhores condições de os suportar. Por isso se convocam os jovens para a guerra, e não os velhos. Não estariam os superricos em melhores condições de responder à emergência nacional?

Esta é uma das perplexidades que leva os indignados a manifestarem-se nas ruas. Mas há muito mais. Perguntam-se muitos cidadãos: as medidas de austeridade vão dar resultado e permitir ver luz ao fundo do túnel daqui a dois anos? Suspeitam que não porque, para além de irem conhecendo a tragédia grega, vão sabendo que as receitas do FMI, agora adotadas pela UE, não deram resultado em nenhum país em que foram aplicadas – do México à Tanzânia, da Indonésia à Argentina, do Brasil ao Equador – e terminaram sempre em desobediência e desastre social e económico. Quanto mais cedo a desobediência, menor o desastre.

Em todos esses países foi sempre usado o argumento do desvio das contas superior ao previsto para justificar cortes mais drásticos. Como é possível que as forças políticas não saibam isto e não se perguntem por que é que o FMI, apesar de ter sido criado para regular as contas dos países subdesenvolvidos, tenha sido expulso de quase todos eles e os seus créditos se confinem hoje à Europa. Porquê a cegueira do FMI e por que é que a UE a segue cegamente? O FMI é um clube de credores dominado por meia dúzia de instituições financeiras, à frente das quais a Goldman Sachs, que pretendem manter os países endividados a fim de poderem extorquir deles as suas riquezas e de fazê-lo nas melhores condições, sob a forma de pagamento de juros extorsionários e das privatizações das empresas públicas vendidas sob pressão a preços de saldo, empresas que acabam por cair nas mãos das multinacionais que atuam à sua sombra.

Assim, a privatização da água pode cair nas mãos de uma subsidiária da Bechtel (tal como aconteceu em Cochabamba, após a intervenção do FMI na Bolívia), e destinos semelhantes terão a privatização da TAP, dos Correios ou da RTP. O back-office do FMI são os representantes de multinacionais que, quais abutres, esperam que as presas lhes caiam nas mãos. Como há que tirar lições mesmo do mais lúgubre evento, os europeus do Sul suspeitam hoje, por dura experiência, quanta pilhagem não terão sofrido os países ditos do Terceiro Mundo sob a cruel fachada da ajuda ao desenvolvimento.

Mas a maior perplexidade dos cidadãos indignados reside na pergunta: que democracia é esta que transforma um ato de rendição numa afirmação dramática de coragem em nome do bem comum? É uma democracia pós-institucional, quer porque quem controla as instituições as subverte (instituições criadas para obedecer aos cidadãos passam a obedecer a banqueiros e mercados) quer porque os cidadãos vão reconhecendo, à medida que passam da resignação e do choque à indignação e à revolta, que esta forma de democracia partidocrática está esgotada e deve ser substituída por uma outra mais deliberativa e participativa, com partidos mas pós-partidária, que blinde o Estado contra os mercados, e os cidadãos contra o autoritarismo estatal e não estatal. Está aberto um novo processo constituinte. A reivindicação de uma nova Assembleia Constituinte, com forte participação popular, não deverá tardar.

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